Todas as vezes que o homem moderno, em qualquer momento de
sua vida, ouve música, conhece realmente o significado e a implicação do que
esta fazendo? Por certo que não, afirmam os antigos filósofos. Tomemos a China,
por exemplo:
Todos os anos, no segundo mês, poderia encontrar-se o
imperador Shun jornadeando para o Leste, a fim de passar revista ao seu reino e
certificar-se de que tudo estava em ordem no imenso território. Entretanto, não
o fazia verificando os livros de contabilidade das diferentes regiões. Nem
observando o modo de vida da população, nem recebendo petições dos súditos. E
tampouco entrevistando os funcionários regionais em posição de mando. Não, não
empregava nenhum desses métodos. Pois na China antiga se supunha haver um
método muito mais revelador, acurado e científico de averiguar o estado da
nação. De acordo com o antigo texto chinês, Shu
King, o imperador Shi Shun percorria os diferentes territórios e... experimentava as alturas exatas das suas
notas musicais.
De volta ao palácio, se desejasse controlar a eficiência do
governo central, que fazia ele? Buscava pareceres de entendidos em traçar
normas de viver? Examinava a economia, ou o estado da opinião pública?
O imperador não desconhecia nenhum dos métodos acima e, em
determinadas ocasiões, é possível que recorresse a todos eles. Mas, o mais
importante, cria ele, era ouvir e verificar as cinco notas da antiga escala
musical chinesa. Mandavam vir à sua presença os oito tipos de instrumentos
musicais conhecidos na China e ordenava que fosse tocado por músicos. Em
seguida, ouvia as canções populares locais e as árias cantadas na própria
corte, verificando se toda essa música estava em perfeita correspondência com
os cincos tons.
Superstição primitiva? O imperador Shun, por certo, não
acreditava nisso. Consoante à filosofia
dos antigos chineses, a música era à base de tudo. Eles acreditavam, em particular,
que todas as civilizações se afeiçoam e moldam de acordo com o tipo de música
que nelas se executa. A música de uma civilização era melancólica, romântica?
Nesse caso, o próprio povo seria romântico. Era vigorosa, militar? Então, os
vizinhos dessa nação devem se acautelar. Além disso, uma civilização permanecia estável
e inalterada enquanto a sua música permanecesse inalterada. Mas mudar o estilo
da música pelo povo levaria inevitavelmente a uma mudança do próprio estilo de
vida.
Se o imperador Shun, em todas as suas andanças pelo reino,
descobrisse que os instrumentos dos diferentes territórios estavam afinados de
maneira diferente, chegaria à conclusão, que ele já teria previsto, de que os
territórios logo começariam a diferir uns dos outros (se já não tivessem
começado). Poderiam até perder a unidade e principiar a degladiar-se, a menos
que a afinação fosse imediatamente corrigida e uniformizada em todos os
lugares. E se a música que ele ouvisse executada nas aldeias tivesse desatado a
tornar-se vulgar e imoral, não duvidaria o imperador de que a própria
imoralidade se estenderia pela nação, a menos que se fizesse alguma coisa para
corrigir a música.
Chegou até nós um
relato vivo do tempo de Confúcio, que mostra a importância muito real e prática
que os sábios da China emprestavam à música. Um presente de músicos femininos foi enviado
pelo povo de Ts´e ao reino de Loo. O próprio Confúcio protestou a Ke Huan,
governador de Loo, alegando que esses músicos estrangeiros não deveriam ser recebidos,
para que a música, alienígena e possivelmente sensual, não viesse a exercer
influência sobre os músicos nativos do reino. Acreditava Confúcio que, se a
música do reino fosse alterada, a própria sociedade se alteraria, e não para
melhor. Infelizmente não sabemos hoje como terminou o episódio e que efeito
produziu sobre o reino a música estrangeira. Mas sabemos que, a despeito dos
protestos do lendário filósofo moralista, Ke Huan recebeu as mulheres musicistas,
e não houve recepções na corte durante três dias, enquanto o imperador e seu
governo aproveitavam a oportunidade para ver e ouvir as exóticas executantes
estrangeiras. Tudo bem quanto ao senso de responsabilidade do governo para o
reino! Mas e Confúcio? O famoso filósofo mostrou-se absolutamente intransigente
no caso. O mesmo nível de importância que os políticos de hoje atribuíram a
assuntos militares ou econômicos, atribuía Confúcio à música do reino. Seguro
de suas convicções morais, ele estava firmemente preparado pelo transe.
Recusando-se a ouvir a música, saiu furioso da corte em sinal de protesto.
Ouvira a música estrangeira e vira as palavras escritas na parede. Ele sabia.
E que era exatamente o que ele sabia? Como todos os demais
grandes filósofos de sua terra, Confúcio supunha haver na música uma
significação oculta que fazia dela uma das coisas mais importantes da vida, que
possuía tremenda energia em potencial para o bem ou para o mal. E nós
descobrimos as mesmas crenças básicas tocantes à música em quase todas as
civilizações avançadas da antiguidade. Acontecia o mesmo na Mesopotâmia. E o
mesmo também em culturas tão distantes uma da outra quanto à Índia da Grécia.
Os vários povos do passado concordavam de forma impressionante em seus pontos
de vista sobre a música. Nenhum deles a
concebia tal como hoje se concebe, como sendo apenas uma forma intangível de
arte de escassa importância prática.
Ao invés disso, afirmavam ser a música uma força tangível que
pode ser aplicada com o fim de criar a mudança, para melhor ou para pior, no
caráter do indivíduo; e, o que era mais importante, na sociedade como um todo. De
fato, se bem que ainda possamos ouvir hoje pessoas que falam na “magia da
música”, os antigos empregavam a frase muito mais literalmente, pois
julgavam-na capaz de provocar mudanças até na matéria.
Referência:
Referência:
TAME, David, "O PODER OCULTO DA MÚSICA: A transformação do homem pela energia da música". Tradução: Octavio Mendes Cajado. São Paulo: Editora Cultrix, 1984.